Universidade e empresas paulistas projetam aeronaves capazes de atuar contra o fogo na floresta e medir concentração de gases de efeito estufa

Domingos Zaparolli, da Revista Pesquisa FAPESP

O drone bombeiro UAVI100 esguicha água a 30 metros de altura

UAVI

Aeronaves não tripuladas de múltiplos usos, os drones vêm sendo empregados em missões de monitoramento, detecção e combate a incêndios em vários países. Modelos em sua maioria importados são usados por órgãos de defesa civil de estados e municípios brasileiros. Os resultados obtidos em campo têm motivado o desenvolvimento de inovações e versões nacionais desses equipamentos. Na Universidade de São Paulo (USP), campus de São Carlos, está em curso o projeto de um drone que usa sensores e sistemas de inteligência artificial (IA) para medir a concentração de gases de efeito estufa (GEE) a fim de monitorar condições ambientais de áreas de matas e florestas e identificar focos de incêndio. As empresas paulistas Xmobots, também de São Carlos, e Indústria de Aeronaves Remotamente Pilotadas (UAVI), de São José dos Campos, interior paulista, colocaram drones anti-incêndio no mercado.

“Nosso aparelho foi pensado para ser um complemento a outras ferramentas, como satélites, torres de observação e aviões, usadas para monitorar florestas e grandes áreas rurais”, declara o engenheiro mecânico e coordenador do projeto Glauco Caurin, do Departamento de Engenharia Aeronáutica da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP. Os drones, argumenta o pesquisador, têm características que tornam mais eficiente o monitoramento ambiental. Enquanto satélites captam imagens do terreno apenas uma ou duas vezes ao dia, o drone tem sua trajetória e frequência de voo definidas pelo usuário, conforme a prioridade de cada cenário de risco.

As torres fixas, por sua vez, detectam os sinais de fumaça sempre à mesma altura e não disponibilizam dados precisos sobre a localização do foco de incêndio. Os drones podem fornecer imagens e dados volumétricos de gases que são captados em diferentes alturas e disponibilizam informações de cada microrregião sobrevoada, permitindo maior precisão da localização da origem do GEE. “Em relação aos aviões tripulados, os drones apresentam custos de voo significativamente inferiores, o que possibilita realizar mais operações com o mesmo orçamento”, compara o engenheiro.

Desenvolvido com o apoio da FAPESP, o aparelho da USP, de pequeno porte (ver infográfico abaixo), é dotado de quatro motores elétricos e capacidade de decolagem e pouso vertical (VTOL). Sensores ópticos e ambientais medem a temperatura, a umidade e a presença de gases – dióxido de carbono (CO₂) e metano (CH₄) – e de material particulado. Um pequeno computador com o auxílio de um sistema de IA analisa as informações coletadas e identifica a fonte de emissão dos gases. “A medida do gradiente de concentração de CO₂ é usada para se estabelecer de forma indireta a região provável de foco de incêndio”, diz Caurin.

O balanço de GEE obtido pelos sensores e o sistema de IA também têm o propósito de fornecer indícios sobre a qualidade da mata observada. “Podemos identificar com um sobrevoo se um projeto de reflorestamento é efetivo, com a evolução esperada das mudas plantadas, ou se ele não existe e estamos diante de um greenwashing, um marketing enganoso de sustentabilidade”, diz Caurin.

Nova versão com asas
A equipe da USP trabalha no projeto de um segundo modelo. Além das hélices que tornam viáveis a decolagem e o pouso vertical, a nova versão terá asas, o que possibilitará o deslocamento horizontal com menor gasto de energia. O novo drone deverá fazer voos de quase uma hora, o dobro do atual. “Para que o aparelho possa inspecionar áreas amplas, queremos dotá-lo de uma autonomia ainda maior, de 90 a 120 minutos de voo”, conta o engenheiro, acrescentando que a captura de informações de grandes áreas precisará ser feita por uma frota de drones.

Os pesquisadores da EESC optaram por embarcar no aparelho sensores de baixo custo para medição de GEE. “Embora não tenham grande precisão, são acessíveis e oferecem um indicativo útil da presença de gases”, defende o pesquisador. “Sensores mais precisos custam mais de R$ 100 mil. É um investimento muito alto para embarcar em drones que podem cair e quebrar ou se perder.” O uso de drones e a eficácia dos sensores selecionados para monitorar GEE foram demonstrados pela equipe da EESC em um capítulo do livro The future of electric aviation and artificial intelligence, publicado pela Springer Nature este ano.

O drone da USP foi projetado originalmente para integrar uma plataforma de dados sobre emissões de GEE na Amazônia. O coordenador desse projeto, o físico Paulo Artaxo, do Instituto de Física da USP, avalia que o tempo de voo dos drones é ainda muito curto e a precisão dos sensores precisa ser melhorada para a inspeção florestal. “A iniciativa de desenvolver um drone nacional para medir GEE e a saúde das florestas é importante, mas para ter uso relevante o sistema precisa ser aprimorado, com sensores mais precisos e maior tempo de sobrevoo”, avalia Artaxo.

Por outro lado, o pacote tecnológico desenvolvido em São Carlos despertou o interesse de duas empresas, que negociam o licenciamento para a produção da aeronave. Também atraiu a atenção da Defesa Civil do município, que já realizou testes com o equipamento em parceria com o Corpo de Bombeiros. “No combate a incêndios, o auxílio de drones dotados de sensores para medir gases é incomensurável”, diz o engenheiro ambiental Pedro Fernando Caballero Campos, diretor da Defesa Civil de São Carlos.

A avaliação da presença de gases antes, durante e após o incêndio, avalia Caballero, auxilia a compreensão dos processos de combustão e o trabalho de prevenção. “Também poderemos estudar a presença de gases na atmosfera em diferentes situações e entender melhor a qualidade do ar que respiramos e sua relação com a saúde humana e dos animais”, destaca o engenheiro.

Antonio Carlos Duad Filho / EESC-USPProtótipo do drone de pequeno porte criado na USP de São CarlosAntonio Carlos Duad Filho / EESC-USP

A defesa civil de alguns estados brasileiros, entre eles São Paulo e Mato Grosso do Sul, já adota drones importados de pequeno porte para o combate a incêndios. O pacote tecnológico embarcado neles é diferente do projetado pela USP. Alguns são equipados com câmeras térmicas com sensores infravermelhos, enquanto outros levam um conjunto formado por câmeras térmicas e visuais. Vendidas no país por R$ 50 mil a R$ 100 mil, segundo representantes comerciais, essas aeronaves são empregadas principalmente para detecção e localização de focos de calor e orientação das equipes envolvidas no combate aos incêndios.

Drones de grande porte com maior autonomia de voo também são utilizados para monitorar florestas e áreas rurais e detectar focos de incêndio. No Brasil, a Xmobots, empresa criada em 2007 por ex-alunos da Escola Politécnica da USP com apoio da FAPESP, foi pioneira em oferecer um aparelho para esse tipo de missão. Desde 2020 a companhia, com sede em São Carlos, tem em seu portfólio uma aeronave equipada com sensor infravermelho termal, câmera óptica e telêmetro, dispositivo para medição de distância em tempo real.

Instalados em um hardware com campo de visão de 360 graus, os sensores são apoiados por um sistema de IA projetado para realizar reconhecimento facial e de placas de veículos. Dessa forma, o drone é capaz de identificar os possíveis autores de atos ilícitos. Além de monitoramento ambiental e detecção de incêndios, a aeronave também é usada para vigilância.

O drone é um VTOL dotado de asas, com 1,86 metro (m) de comprimento e 3,64 m de envergadura (distância de uma ponta da asa a outra). Faz parte da família de drones Nauru. Tem autonomia de voo de quatro horas e alcance de 60 quilômetros, podendo realizar voos a até 3 mil m de altitude. “É o único drone no país com autorização da Anac [Agência Nacional de Aviação Civil] para voos acima de 400 pés [191,92 m] e operações noturnas”, informa a diretora comercial Thatiana Miloso.

O modelo Nauru 500C vem sendo usado principalmente para a vigilância de áreas públicas, florestas plantadas e unidades agropecuárias. Segundo informação da Xmobots com base em dados da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), entre junho e agosto de 2024, incêndios geraram prejuízos de R$ 14,6 bilhões ao agronegócio brasileiro. A Xmobots está desenvolvendo uma nova versão do drone. “Estamos trabalhando para melhorar o desempenho do produto, incorporando sensores ambientais e de gases”, informa o engenheiro elétrico Leonardo Gomes, gestor de projetos da companhia.

XmobotsModelo NauruC, da Xmobots, usado para monitoramento ambiental e detecção de incêndioXmobots

Esguicho de água e espuma
Drones também estão sendo empregados no combate direto a incêndios. No Brasil, o pioneiro é o UAVI100 – Bombeiro, lançado este ano pela UAVI, com sede no Parque de Inovação Tecnológica de São José dos Campos (SP). A aeronave de oito motores e duas baterias tem autonomia de voo de 20 minutos e capacidade para levar 150 quilos.

O drone carrega uma mangueira de cerca de 6 centímetros de diâmetro a uma altura de até 30 m e é capaz de esguichar água ou espuma com precisão a uma distância de 25 m. Na outra ponta, a mangueira é conectada ao caminhão de bombeiro ou hidrante, que fornece a água de forma contínua. O equipamento tem uma câmera térmica e um sensor de realidade virtual, que permite ao operador observar em tempo real o campo de visão do drone.

As duas primeiras unidades do UAVI100 foram entregues em maio ao Corpo de Bombeiros de Manaus (AM). “Nosso drone já foi testado em combates reais. Três outras unidades foram encomendadas”, diz o economista Ricardo Pietro, diretor-geral da UAVI. “Bombeiros do Paraná, de Goiás e de Mato Grosso também confirmaram pedidos e recebemos sondagens até de Portugal”, afirma Pietro.

Os aparelhos são utilizados primordialmente no combate a incêndios em áreas urbanas ou na borda de matas e florestas. Novas versões do drone bombeiro, com dispositivos de controle de esguicho e equipamentos que carregam pó químico ou manta antichamas em tecido de sílica, estão sendo construídas pela companhia. “Nossa equipe de pesquisa e desenvolvimento trabalha em grande sintonia com representantes dos bombeiros. A ideia é oferecer equipamentos que atendam às diferentes demandas dos usuários”, diz o diretor da UAVI.

A reportagem acima foi publicada com o título “Drones contra incêndios” na edição impressa nº 356, de outubro de 2025.

Projetos
1. CEPOF – Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (nº 13/072676-1); Modalidade Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid); Pesquisador responsável Vanderlei Salvador Bagnato (IFSC- USP); Investimento R$ 51.786.666,96.
2. Centro de Pesquisa e Inovação de Gases de Efeito Estufa – RCG2I (nº 20/15230-5); Modalidade Centros de Pesquisa em Engenharia (CPE); Convênio/Acordo BG E&P Brasil (Grupo Shell); Pesquisador responsável Julio Romano Meneghini (USP); Investimento R$ 25.376.639,63.
Projeto de um sistema aviônico certificável para veículos aéreos não tripulados (VANT) de aplicação civil (nº 13/50946-8); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); ¨C31C Finep Pipe/Pappe Subvenção; ¨C32C Giovani Amianti (Xmobots); ¨C33C R$ 876.283,32.

Capítulo de livro
CAURIN, G. et.al. “Unmanned aerial vehicle cooperation for the monitoring of greenhouse gases”. In: KARACOC, T. H et al. The future of electric aviation and artificial intelligence. Switzerland: Springer Nature, 2025.

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

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